Ampliação da carga horária escolar é positiva, mas há riscos se não for bem implementada
A ampliação do tempo que os estudantes passam na escola é uma bandeira histórica, defendida de Anísio Teixeira a Darcy Ribeiro, e que continua atual. O Plano Nacional de Educação, por exemplo, define que até 2024 o Brasil deveria oferecer uma jornada de tempo integral (sete horas diárias ou mais) a pelo menos 25% dos estudantes da rede pública.
Em 2021, este percentual estava em 15%, o que indica dificuldade para alcançarmos a meta no prazo estipulado.
Além disso, é preciso muita atenção em sua implementação, para que o esforço, nada trivial do ponto de vista do financiamento e da organização dos sistemas, realmente resulte em melhoria para todos e não amplie as desigualdades que já deformam a educação nacional.
Uma leva recente de estudos trouxe boas notícias sobre o impacto da expansão da educação em tempo integral no ensino médio brasileiro. Artigo de autoria de Leonardo Rosa, Eric Bettinger, Martin Carnoy e Pedro Dantas, publicado em 2022 pela revista “Economics of Education Review”, mostrou que o aumento do número de horas de aulas de português e matemática em escolas de tempo integral em Pernambuco gerou uma melhora equivalente a um ano e três meses de aprendizagem nas duas disciplinas.
Como sabemos, os impactos da educação não se restringem à aprendizagem. Outro estudo, divulgado pelo Instituto Natura e realizado por pesquisadores do Insper, mostrou que a implementação de Escolas de Ensino Médio Integral em Pernambuco também reduziu as taxas de homicídio de homens jovens, entre 15 e 19 anos, em até 50%.
Manter jovens por mais tempo na escola parece ser uma estratégia eficaz não apenas para melhorar a aprendizagem, mas também para produzir benefícios sociais para toda a sociedade.
Apesar dos resultados animadores, é preciso cautela. Em 2015, avaliação feita pelo Banco Mundial em programas latino-americanos mostrou resultados mistos na ampliação da carga horária. Em 2018, uma revisão de estudos do Brasil e da América Latina, feita pelo Instituto D3E, chegou a uma conclusão semelhante: o simples incremento da carga horária não garantia melhores resultados.
Para que os alunos fossem realmente beneficiados com a medida, outras ações precisavam acontecer em paralelo. E uma das mais importantes era a dedicação integral dos professores às escolas.
Nesse sentido, outro estudo do D3E, publicado no ano passado, contribui para a discussão. Ao comparar a jornada de trabalho dos nossos professores com os de Japão, Estados Unidos e França, a pesquisa identificou que o Brasil destoava pelo fato de seus docentes darem aulas em várias escolas, algo incomum em países desenvolvidos.
Uma das potências do tempo integral, portanto, é aumentar a dedicação e a qualidade do uso do tempo dos professores, reduzindo sua rotatividade e facilitando, inclusive, uma agenda de formação contínua nas escolas.
Além da questão docente, outro ponto de atenção na ampliação do horário escolar é o risco de agravamento de desigualdades.
Em estudo de 2018, Eduardo Girotto, da USP, e Fernando Cássio, da UFABC, mostraram que escolas paulistas de tempo integral passaram a atender não só menos alunos, mas também um público de nível socioeconômico mais elevado, enquanto escolas regulares do entorno passaram a atender os mais pobres.
Em síntese, boa gestão pedagógica, professores dedicados à escola, estratégias adequadas de formação continuada e alunos engajados a partir de uma proposta equitativa — que leve em conta os aspectos cognitivos, sociais e emocionais — são elementos-chave para a mudança desejada e parecem se realizar com maior potência na educação integral.
A efetividade da agenda requer equilíbrio entre oferta de tempo integral e de tempo parcial, atenção aos estudantes das famílias mais vulneráveis e incentivos para evitar a evasão dos jovens que precisam de escolas em tempo parcial ou de ensino noturno.
É preciso, portanto, que este movimento seja bem planejado e executado de maneira gradativa e criteriosa, com monitoramento contínuo dos resultados.
Vale a lembrança de que a rede estadual de Pernambuco, de onde surgiram as evidências positivas dos estudos aqui citados, chegou a 59% de vagas em sua rede em horário integral após 18 anos, marcados desde o início pela equidade e por um monitoramento rigoroso, corrigindo distorções ao longo do processo de implementação.